Familiares contam histórias de banda ligadas ao futebol; veja integrantes em ação num jogo entre grupos de jovens, com botinas da roça e calças jeans.
‘Se brotar uma tempestade de Madonna, no meu ombro cai Elvis’¹. ‘Sede, fartura, mal-entendido, os Mamonas Assassinas são os reis da ‘confusão’²!
A irreverência e a mistura de estilos musicais são marcas registradas da banda Mamonas Assassinas. Durante a carreira meteórica, os músicos e o rock eram como ‘música e palco regados com muita diversão’³.
Os sucessos dos Mamonas atingiram o Brasil com força total, se tornando um fenômeno musical de proporções inimagináveis. A ousadia e alegria presentes em suas apresentações ao vivo mostravam que a banda estava destinada a se tornar um ícone da música brasileira. A originalidade e o bom humor das letras garantiram que o legado dos Mamonas Assassinas permanecesse vivo mesmo após tantos anos.
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Mamonas Assassinas: O Último Show no Mané Garrincha
E quis o destino que o último show fosse num estádio: o Mané Garrincha, em Brasília, no dia 2 de março de 1996.
+ 28 anos sem os Mamonas: como hit da banda invadiu estádios pelo Brasil e mantém legado vivo Vinte e oito anos depois do trágico acidente de avião que vitimou Dinho, Bento Hinoto, Júlio Rasec e os irmãos Sérgio e Samuel Reoli no retorno a São Paulo, todos jovens entre 22 a 28 anos, a banda virou filme nos cinemas brasileiros.
Pegando carona na saudosa Brasília Amarela, o ge foi a Guarulhos atrás de histórias do lado torcedor dos Mamonas (veja no vídeo acima).
Narrações divertidas e peladas da banda
Há alguns anos, Ana Paula Barbosa achou uma gravação de seu irmão, Júlio, com os integrantes da banda narrando de forma irreverente um jogo fictício de futebol.
E compartilhou na internet (ouça abaixo). – Eles sempre que podiam faziam isso. Essa ideia veio do meu irmão, que fazia isso nas festas da igreja quando participava do grupo de jovens. Ele um dia comentou com o Dinho, que usava ‘Privada FM’ para anunciar o que haveria nas festas da igreja.
O padre não gostava muito, afinal, ficava todo mundo perguntando quando seria o próximo informativo da ‘Privada FM, onde quem faz a bosta é você’ – conta Ana Paula. Antes mesmo da fama, Dinho e companhia davam seus shows no microfone. Mais do que narrar, os caras gostavam mesmo era de jogar. Desde a origem da banda, eles batiam bola em uma quadra na Associação Japonesa de Itaquaquecetuba.
– A gente tinha um futebolzinho antes de estourar os Mamonas. Toda segunda-feira à noite a gente jogava lá. O Dinho ia, Sérgio e Samuel também iam, o Júlio ia, e alguns amigos. O Fabinho do Negritude (Júnior) chegou a jogar com a gente – diz Maurício Hinoto, irmão de Bento e responsável por apresentar o guitarrista para Sérgio, ajudando a formar a banda Utopia, precursora dos Mamonas Assassinas.
Nessa época, também rolava futebol num sítio dos tios de Sérgio e Samuel em São Benedito das Areias, distrito de Mococa, no interior de São Paulo. Primo do baterista e do baixista, Henrique Oliveira lembra uma pelada inusitada certa vez em que Dinho também viajou com a turma: – A gente nem chama de campinho porque mal era plano, mas nós colocamos umas traves de bambu e batíamos uma bolinha.
Um dia aparece na estrada um tratorzão clássico, com uns oito a dez trabalhadores rurais na caçamba. Bem estilo peãozão boiadeiro: calça jeans, chapelão, aquelas botinas da roça. Na época, o Dinho e o Samuel ainda não eram famosos, estavam na fase de gravação do DVD, se não me engano. Os caras viram a gente jogando, aí desceram do trator e foram entrando: ‘E aí, vamos jogar? Dois golzinhos’.
– A gente olhou e pensou: ‘Esses caras de calça jeans e botina não vão parar de pé aqui’. Não demos nada pelos caras, mas eles deram a saída de bola, três, quatro toques e gol. Não vimos a cor da bola. Outra saída, três, quatro toques, gol dos caras. Fizeram os dois gols em três minutos, nem se despediram direito: ‘Valeu, valeu’. Formaram aquela fila indiana e saíram correndo para o trator.
Nós ficamos um olhando para a cara do outro. E eles nem têm ideia com quem jogaram esse dia (risos). Como no tradicional ‘bloco das piranhas’ do Carnaval, também havia um futebol anual em Guarulhos onde os garotos jogavam vestidos de garotas.
E Dinho, que futuramente adotaria o visual como parte dos shows dos Mamonas, não perdia um: – Todo ano tinha um jogo dele e dos amigos no Cecap em que iam vestidos de mulher. E ele fazia questão de sair de casa vestido. A maioria se trocava lá. Ele não. A gente morava no bairro vizinho, ele andava bastante vestido de mulher, camisola, maquiado, peruca…
Iam ele e o amigo Davi pulando na rua (risos) – recorda Grace Alves, irmã do vocalista. As únicas imagens da banda jogando são de uma pelada na chácara de Chitãozinho e Xororó, em vídeo postado pelo canal Mamonas Cover Show no YouTube. A gravação traz lances de Dinho, Sérgio e Samuel mostrando (ou não) suas habilidades (veja acima).
A rotina corrida de uma banda de sucesso diminuía aos poucos os espaços na agenda para jogar bola. Mas, sempre que eles iam fazer show em um estádio, armavam um joguinho prévio no local. – Jogar ele não tinha mais tempo. Mesmo assim, nós fomos a um show deles em Sorocaba e fizeram um joguinho antes no campo do São Bento. Foi lá que ele fez um gol de bicicleta.
Uma daquelas sortes que dá (risos), né? – diverte-se Hildebrando Leite, pai de Dinho. Sempre se dava um jeitinho, mesmo depois de os Mamonas Assassinas estourarem em todo o país. E, na falta de tempo, até o aeroporto virava uma ‘quadra improvisada’: – Tem uma cena em que o Dinho chuta uma mala, não sei se é o Samuel ou o Sérgio que agarra e fala: ‘Taffareeeel’. O bagulho deles era diversão.
Na verdade, o esporte deles era a zoeira – afirma Simone de Paulo, amiga de Dinho e de Sérgio e que apresentou os dois para se juntarem na banda.
Ex-jogadores ligados aos Mamonas
Quando a banda virou febre no país, entre 1995 e 1996, caiu no gosto também de muitos jogadores.
Um dos poucos que tiveram a sorte grande de virar amigo dos roqueiros foi o ex-volante Zé Elias, que também é de Guarulhos. E foi com direito a uma história para lá de curiosa no início da carreira, quando tinha 18 anos e foi fazer a prova para tirar a carteira de motorista. – Cheguei lá, e o cara falou: ‘Vai fazer a prova? Não vai, não. Não pode entrar de bermuda’.
Estava descendo a escada cabisbaixo e vejo um rapaz que estava no bar do outro lado da rua atravessar. ‘Opa, tudo bem? Veio tirar a carta, né? De bermuda não pode. Já fiz isso também. Mas toma, eu te empresto a minha calça, depois a gente conversa’. Peguei, fiz a prova, devolvi a calça, e ele falou assim: ‘Pô, eu sou de uma banda aqui de Guarulhos e vamos lançar um clipe, você participaria’?
‘Claro, sem nenhum problema, vai ser um prazer’. Aquela coisa de Guarulhos, comunidade, todo mundo junto. – Passou o tempo, depois estoura o Mamonas, aquela coisa. Aí um dia estou em casa e minha mãe disse: ‘Ô, Zé, o Dinho tá aí’. E eu tinha um amigo chamado Binho. Falei: ‘Manda o Binho entrar’. Mas quando eu vejo era o Dinho. ‘Que legal, parabéns pelo trabalho, comprei o seu CD e tal’.
E ele: ‘Você não tá lembrado de mim, né? Eu te emprestei a calça para você tirar a carta’. E dali surgiu uma amizade. Sempre que podia ele passava lá em casa. Lembro da minha mãe perguntando para ele: ‘Ô Dinho, da onde você tira tantas coisas?’. Ele falou: ‘Do trono, tia. De onde mais eu vou tirar? (risos)’.
O tal clipe era o da música ‘Pelados em Santos’, mas Zé Elias não chegou a participar porque perdeu contato com Dinho. Depois que o vocalista achou sua casa e apareceu por lá, o volante ficou próximo da banda e chegou a subir com eles ao palco no dia em que os Mamonas fizeram o tão esperado show no ginásio Thomeuzão, em Guarulhos, onde haviam sido barrados quando ainda eram Utopia.
– Ele vinha a cada 15, 20 dias. Sempre que podia passava aqui, nem que fosse para ficar cinco minutos. Às vezes nem dava para conversar muito, ele tomava um café: ‘E aí, como que tá? E o Corinthians? Pô, não pode perder e tal’. A gente conversava de tudo: eu gosto de guitarra, então conversávamos de música, de carro… Acho que a gente conversava mais de carro do que de futebol.
Ele queria comprar um Viper da Chrysler e estava vendendo o dele. Era um Mitsubishi 3000GT, branco pérola. Falei que ia comprar: ‘O seu carro é meu, pode deixar’. Mas não deu tempo. Zé Elias esteve no velório e, dois meses depois, também viveu um acidente de avião.
Quando o Corinthians voltava de Quito, no Equador, onde venceu o Espoli pela Libertadores, o Boeing derrapou na pista na decolagem, chocou-se contra o muro do aeroporto e quase despencou em uma avenida. – Nós quase sofremos um acidente fatal, parou a poucos metros das casas.
Não tinha internet, então todo mundo ligou para casa avisando, depois os repórteres ligaram e as notícias começaram a surgir. E a primeira pessoa que chegou na minha casa para dar um abraço na minha mãe e no meu pai foi o Seu Hildebrando. Ele falou para a minha mãe: ‘Fica calma que o teu filho está voltando. Daqui a pouco ele está aí e você vai abraçá-lo’.
Pelo que ele vivenciou e continuava vivendo, fazer isso foi uma coisa inesquecível, foi marcante na vida da minha família. Outro jogador que teve ligação com a banda, mas esse à distância, foi Iranildo. O meia era um grande fã e, quando tinha 19 anos e jogava no Flamengo em 1996, recebeu o apelido que o acompanha até hoje por causa da música Pelados em Santos, a sua favorita.
– Nos anos 90 era uma febre, e eu era fã mesmo. Eu sempre fui tímido, mas toda vez que a gente ganhava eu ficava cantando no vestiário. Como fomos campeões cariocas invictos em 1996, quase todo jogo tinha música (risos). Aí o Joel (Santana), que sempre gostava de colocar apelido nos outros, falou: ‘Você vai ser o chuchuzinho por causa da música’. E o Romário ficava: ‘Coé, chuchu. Fala, chuchu’.
E de lá para cá pegou – conta o ex-jogador, que esteve no último show dos Mamonas no Rio de Janeiro, no Shopping Via Parque, menos de um mês antes do acidente. Antes de chegar ao Flamengo, Iranildo foi campeão brasileiro com o Botafogo em 1995. E lá também fez sucesso como fã da banda.
Tanto que durante a campanha do título, jogadores e diretoria fizeram uma surpresa para ele e o presentearam com uma Brasília amarela antes. Como era muito novo e ainda não sabia dirigir, ele se solidarizou e deu o carro para o massagista Paulão não precisar pegar mais três ônibus para ir trabalhar no clube.
Dinho, um corintiano roxo ‘quase’ jogador
– A gente em casa tem uma democracia: ou torce para o Corinthians ou para o Corinthians (risos). Hildebrando Leite e Célia Alves tiveram três filhos: Dinho, Marcos e Grace, que foi a autora da frase acima. Do trio, o mais corintiano era Dinho. – Ele torcia para dois times: para o Corinthians e para o Palmeiras acabar – brincou Seu Hildebrando.
Primogênito da família, Dinho foi catequizado de berço pelo Corinthians. O pai, que já era frequentador dos estádios, passou a levar o filho ainda pequeno aos jogos no Pacaembu. E mais tarde Dinho fez o mesmo com a caçula, Grace, que mesmo sem lembrar o placar ou o adversário guardou sua estreia com outro tipo de memória: – Eu devia ter uns 13, 14 anos.
Ele e o meu primo Isaac, que trabalhava com a banda e também estava no acidente, iam para o Pacaembu. Eu não lembro contra quem, mas era contra um time pequeno porque era mais seguro me levar. A gente foi junto e foi muito divertido acompanhar os dois porque eles eram muito brincalhões. Até a hora do jogo ficavam fazendo piadinhas.
– Foi minha primeira vez, e isso fez com que me tornasse mais corintiana ainda, porque é gostoso torcer junto assim. Sempre que passo pelo Pacaembu lembro desse dia. Nós indo juntos, brincando juntos, assistindo, torcendo… Tenho memória de ele ficar imitando narrador de futebol, narrando uns fatos que aconteciam no jogo. Ele sempre tentava levar as coisas no bom humor.
E ele era da zoeira também com os rivais. Óbvio! – Acabava o jogo, ele ligava para os amigos. Se perdesse, ele ficava quieto, mas, se ganhasse, ligava. Principalmente para o Geraldo Celestino, que é um palmeirense chato – conta Seu Hildebrando. Dinho era daqueles torcedores fanáticos que não perdem nenhum jogo do Corinthians, seja no estádio ou na TV.
Mas, à medida que a fama crescia, a rotina se tornava muitas vezes um empecilho para ver as partidas. Em tempos sem a facilidade de acesso à internet, o telefone que era usado para caçoar dos amigos já virou veículo de informação e acordou até o pai de madrugada: – No final da Copa do Brasil em que o Corinthians foi campeão lá contra o Grêmio no Sul (1995), ele me ligou às 2h…
O horário não batia porque ele estava nos Estados Unidos lançando disco, e perguntou: ‘Como que foi o jogo?’. Falei: ‘1 a 0, gol do Marcelinho Carioca’. Aí ele ficou zoando lá. E os jogos marcantes ele chegava a gravar as narrações em fitas cassete.
Mas nem todas sobreviveram: – Uma vez ele ia tirar a letra de uma música, ainda era Utopia (nome da banda antes de virar Mamonas Assassinas), quando eles faziam cover. Eu sabia que ele queria gravar essa música, e naquela época não tinha Spotify, nada disso. Não tinha como baixar de algum lugar, você tinha que ficar esperando tocar na rádio e gravar com uma fita.
Aí anunciou que ia tocar na rádio e eu peguei a primeira fita que vi pela frente e coloquei para gravar. Quando ele chegou, eu fui toda feliz: ‘Nossa, eu gravei a música’. Na hora em que ele viu a fita quase, me matou: ‘Era a final do campeonato de não sei o quê que estava gravado aqui’ (risos) – conta Grace.
O vocalista dos
Fonte: © GE – Globo Esportes
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